sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O que desce sobe e o que sobe desce

Os dólares que encheram o mundo de esperança e que se teme, venham a fraquejar

A América e por falta de mão-de-obra para trabalhos extremos, inventou o slogan do “self made man”, que atraiu muitos milhões de pessoas que por falta de condições mínimas nos seus próprios países demandaram automaticamente as terras do Novo Mundo em busca dum “El Dourado” que se mostrava “ in extremis” um ponto brilhante no horizonte e eventualmente redentor duma vida de miséria que a agricultura da enxada e do arado sempre propiciavam – quando isso não acontecia logo a oportunidade da pesca brutalizada nas velas de lona branca embutidas em mastros que tocavam o céu e nos conveses abarrotados de trabalho escravo se apresentava na agenda não dando folga.
Em 1929 milhares de Portugueses anestesiados por firmeza de carácter q.b. e uma indómita vontade de vencer demandaram New York encafuados em porões de cargueiros duvidosos onde a saudade, os cheiros, a fome, o frio e o calor sobravam. A travessia do Atlântico era perigosa mas os portugueses acabados de ser promovidos a emigrantes puxavam dos galões de lata dourada a apanhar erva de foicinha, ou então dos trabalhos ganhos a limpar os estercos que os currais da vacas e dos porcos produziam sempre em quantidade. Quando o barco fundeava com New York city à vista, sobressaía a ponte de Brooklyn e a miríade de luzes que aureolavam o porto, eram o ponto que antecedia a visita do “passador” que avisava que a partir deste momento os clandestinos estavam por contas e risco. O íman estava ali, plantado frente a Manhattan e para quem estava habituado a ruas de terra batida e luzes que alumiavam 5 metros ou nem isso, o medo apoderava-se do cérebro não o deixando verter o raciocínio – uma coisa era certa se o barco aportasse e fossem descobertos seriam imediatamente presos e deportados – outros que sofreram esta agrura, fizeram avisos que agora eram recordados com muita intensidade trazendo à mente os contos tenebrosos de que o mar estava coalhado de ácidos e que muitos tinham desaparecido sem deixar rasto.
Eram duas da manhã, o cigarro puxado até ao limite, queimava o lábio, o mar estava calmo, a noite luarenta e a confiança em alta e um dos embarcadiços deixou-se escorregar para o mar e nadou, nadou até encalhar exausto perto do porto que fervilhava de movimento. Duma saca presa às costas mudou de roupa, verificou se as duas notas de 5 dólares ainda lá estavam e demandou a rua nua e crua que se lhe apresentava na frente.
Noutro ponto os Americanos cercavam a catedral dos sonhos e choravam as perdas financeiras que o colapso do 29 de Outubro de 1929 se tinha refastelado em apresentar a todos os que acreditavam sem pestanejar na América dos sonhos.
Os emigrantes indocumentados, sem falar a língua e sem qualquer espécie de contacto local, enfrentaram uma saga de grande estoicismo e só uma grande armadura de coragem possibilitou que este e outros desatassem os nós e perseguissem a labuta duma guerra travada sem dó nem piedade. Este emigrante durante os dias que a seguir se passaram ao desembarque alimentou-se de café e expedientes, aqueceu-se nos bidões de petróleo, dormia com os mendigos nas cavernas existentes por debaixo da grande cidade, até que um dia e com a ressaca da recessão a esvair-se, arranjou um “americano” que lhe deu trabalho e o ajudou a legalizar. Foram dias terríveis até conseguir amealhar algum dinheiro para fazer face às expectativas e aos muitos problemas que as famílias portuguesas sempre pobres enfrentavam.
Passaram anos, a depressão foi sendo esbatida, muitos milhões de dólares foram transferidos para os países de origem e muitos outros e apesar da desvalorização do dólar face ao euro continuam a viver de conta do “amigo americano”.
Novamente a 30 de Setembro de 2008 e separado do colapso anterior 79 anos, a peste, a fome e a guerra, faz mais uma vez a sua entrada em cena abanando com intensidade catastrófica o domínio das estruturas financeiras do mundo e fazendo com que tudo volte ao princípio dos pobres a aguentar e a pagar a crise.
Portugal sempre padrasto e anotando mais uma vez a debandada de jovens que procuram noutro lado o que não conseguem de maneira nenhuma obter no lugar de nascimento, continuam incrédulos a ouvir os políticos e outros bem conceituados na praça, vociferar que o que é preciso é coragem para aguentar uma crise que mais uma vez irá desabar sobre os mais desfavorecidos e que no seu inteligente conceito estarão sempre um pouco acima da linha de água. Era bom que estivessem abaixo porque assim o argumento seria muito mais patético, já que ontem como hoje Portugal tem os “mesmos” no poder e o resultado dos que estão a boiar são muitos e mais desejosos de emigrar para qualquer lado.
Hoje não existe vergonha em ser-se português quando se fala do futebol, mas que isto vai de mal a pior para os mesmos é uma realidade insustentável.

(Michael Elliot da revista Time, em artigo de opinião, pergunta se a América terminou uma era?)
Sinceramente todos devemos torcer para que outra “era”, surja no curto prazo impulsiva e apaixonada como a de ontem.

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